terça-feira, 5 de agosto de 2008

Liberação ou proibição do uso de drogas, eis a questão!


Se a polêmica sobre a liberação ou proibição do consumo de drogas ilícitas já era acirrada, acentuou-se ainda mais com a recente decisão da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

No Brasil, a lei distingue as drogas lícitas das ilícitas. A bebida alcoólica e o tabagismo, por exemplo, são considerados drogas lícitas; a maconha e a cocaína, entre outras, drogas ilícitas.

A lei brasileira proibia, com pena de prisão, a posse, a aquisição, o transporte de substâncias entorpecentes (drogas ilícitas) para uso próprio (Lei nº 6.368/76). A Lei nº 11.343/06 (Nova Lei de Drogas), que se encontra em vigor, também proíbe essas mesmas condutas, entretanto com outras modalidades de sanções, diferentes da prisão (cadeia). A opção da nova lei foi a de manter a proibição em relação ao usuário, porém com mais tolerância. É aquilo que a doutrina denomina de "despenalização", o que não se confunde com "permissão/liberação". A conduta continua sendo ilícita/proibida.

Como foi amplamente divulgado pela imprensa, um Juiz e três Desembargadores do TJ paulista, integrantes da Sexta Câmara deste Tribunal, em grau de recurso, declararam inconstitucional a norma do artigo 28, da "Nova Lei de Drogas", que proíbe o uso de drogas ilícitas, sob o fundamento, em síntese, de que o usuário de droga não traz ameaça a terceiros; que referida proibição afronta o princípio da igualdade - da mesma maneira que um dependente de álcool não comete crime ao beber: Fere a intimidade da vida privada do usuário, já que o uso de drogas é uma questão pessoal (Folha de S. Paulo, do dia 24.05.08, C4).

Como se observa, o fundamento central da decisão está no princípio da alteridade. De acordo com este princípio, o Direito Penal só pode interferir quando a conduta humana lesa ou ameaça de lesão um bem jurídico de outrem (alter), isto é, alheio, de terceiro. Daí a razão de não se punir a autolesão (salvo se para receber seguro) e a tentativa de suicídio, pois, nessas hipóteses, não há ofensa a bem jurídico de terceiro. Essa é a lógica desse ramo do direito.

Partindo-se dessa premissa, como entendeu a justiça paulista, a lei não pode proibir o uso da droga rotulada como ilícita, pois se é que ela causa algum tipo de dano é ao próprio usuário. Assim, a vedação feita pelo Estado é inconstitucional, pois se constitui em uma interferência na intimidade da vida privada, sem reflexo a terceiros. Não bastasse, por que proíbe o uso de algumas drogas e permite o consumo de outras!

No caso do usuário de drogas, o "x" da questão é saber se o seu uso em si reflete ou não na liberdade, tranqüilidade ou em outro bem jurídico de terceiro, a tranqüilidade social, por exemplo, que não deixa de ser um bem da vida (jurídico) que esta a merecer proteção. Eis a questão!

O tema, com certeza, chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF), até mesmo pelo fato de não ter se cumprido o que se denomina "Reserva de Plenário" (CF, 97), pois somente pela maioria absoluta dos membros dos Tribunais ou dos seus respectivos órgãos especiais é que se pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei (CF, 93, XI). No mérito, se é que se pode fazer previsão, é bem provável que o STF não confirme a inconstitucionalidade do referido art. 28 da "Nova Lei de Drogas". A ansiedade é para saber qual será a fundamentação jurídica.

Contudo, enquanto não vier a decisão final, cabe-nos algumas reflexões. Afinal, a liberação do uso da droga é boa ou é ruim? Pelo que se lê, ouve-se de especialistas e até mesmo pelo que o dia-a-dia nos tem revelado, o uso de drogas, até mesmo da maconha (droga leve), tem deixado seqüelas psíquicas negativas. De outra parte, como afirmou Luiz Flávio D'Urso, presidente da OAB-SP, a lei, ao proibir o uso de drogas, "tem efeito pedagógico. Ao descriminalizar, o recado pode ser de que, se não é crime, é bom. Pode ter efeito pedagógico contrário" (Folha de S. Paulo, 24.05.08, C4).

A experiência dos países que liberaram o uso de drogas leves, sobretudo a maconha - como, por exemplo, a Holanda, a Suíça e a Dinamarca, conforme reportagem publicada pela revista Veja de 05.03.08, p. 98/99 -, não foi positiva. O tiro saiu pela culatra, pois se incrementou o tráfico de drogas e o crime organizado, o que acarretou um descontentamento à população daquelas localidades, pois se criou "uma expectativa ingênua de que a legalização manteria os grupos criminosos longe dessas atividades".

É tema para ser debatido com racionalidade e sem ingenuidade e açodamento.



Nenhum comentário: