Compartilhamento de Dados Sigilosos e Procedimento Administrativo Disciplinar
O Tribunal, resolvendo questão de ordem suscitada, pelo Min. Carlos Britto, em inquérito instaurado contra Deputado Federal, do qual relator, deferiu, por maioria, o requerimento de remessa de cópias dos autos, com a cláusula de sigilo, ao Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Na espécie, o Presidente do referido Conselho solicitara o compartilhamento das informações constantes dos autos do inquérito para subsidiar procedimento administrativo disciplinar movido contra o parlamentar naquela Casa Legislativa. Na linha de precedentes da Corte, entendeu-se que os elementos informativos de uma investigação criminal, ou as provas colhidas no bojo de instrução processual penal, desde que obtidos mediante interceptação telefônica devidamente autorizada por juiz competente, como no caso, podem ser compartilhados para fins de instruir procedimento administrativo disciplinar. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que indeferiam o pedido, ao fundamento de que os dados sigilosos obtidos só poderiam ser utilizados para fins de persecução criminal, nos termos do que disposto no art. 5º, XII, da CF. Precedentes citados: Inq 2424 QO/RJ (DJU de 24.8.2007); Inq 2424 Seg. QO/RJ (DJU de 24.8.2007); AP 470 ED/MG (acórdão pendente de publicação). Inq 2725 QO/SP, rel. Min. Carlos Britto, 25.6.2008. (Inq-2725)
O Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados para fins de instruir procedimento administrativo disciplinar contra Deputado Federal, solicitou o compartilhamento das informações já apuradas em Inquérito Policial contra o mesmo Deputado.
O relator Min. Carlos Britto, suscitou questão de ordem para discutir a possibilidade de ser ou não deferida a solicitação.
No Inquérito Policial foram apuradas provas que estão sob a cláusula de sigilo e a Constituição Federal disciplina a questão no seguinte dispositivo:
Art. 5º (...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal(grifos nossos)
Ainda sobre o tema a Lei 9.296/96, que regula o inciso supra traz a seguinte redação:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.(grifos nossos)
Diante dos dispositivos pode ser extraído o entendimento de que a quebra de sigilo fica limitada para as provas em investigação criminal e em instrução processual penal, inviabilizando assim o empréstimo dessas provas para subsidiar o procedimento administrativo disciplinar.
Neste sentido o jurista Luiz Flávio Gomes tece a seguinte posição: "O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo. (...) Estando em jogo liberdades constitucionais (direito à intimidade frente a outros direitos ou interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse (criminal), em detrimento da intimidade. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense. Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser 'emprestada' (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito. (...) Urge o respeito à vontade do constituinte ('fins criminais'). Ao permitir a interceptação, como quebra que é do sigilo das comunicações, somente para 'fins criminais', já fazia uso da ponderação e da proporcionalidade, que agora não pode ser ampliada na prática. Impõe-se por último, acrescentar: essa prova criminal deve permanecer em 'segredo de justiça'. É inconciliável o empréstimo de prova como o segredo de justiça assegurado no art. 1º". (Finalidade da Interceptação Telefônica e a Questão da Prova Emprestada. In: Repertório IOB de jurisprudência, v. 4/97, p.75).
Por outro lado, os também renomados doutrinadores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, entendem ser "possível que, em processo civil, se pretende aproveitar prova emprestada, derivada de interceptação telefônica lícita, colhida em processo penal desenvolvido entre as mesmas partes. (...) Poderá, em casos como esse, ter eficácia a prova emprestada, embora inadmissível sua obtenção no processo não-penal? As opiniões dividem-se, mas, de nossa parte, pensamos ser possível o transporte de prova. O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerando o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável. (...) Nessa linha de interpretação, cuidados devem ser tomados para evitar que o processo penal sirva exclusivamente como meio oblíquo para legitimar a prova no processo civil. Se o juiz perceber que esse foi o único objetivo da ação penal, não deverá admitir a prova na causa cível." (As Nulidades no Processo Penal. SP, RT, 9ª ed., 2006, p. 119-120).
No caso em tela os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa se posicionaram no sentido de negar o empréstimo das provas colhidas em Inquérito para Procedimento Administrativo Disciplinar.
Os demais Ministros solucionaram a questão de ordem com o entendimento de que, se o sigilo foi quebrado e a prova obtida por meio lícito, isto é, com a devida ordem judicial e tendo em vista que a Constituição proíbe apenas as provas colhidas por meio ilícito e não veda o empréstimo de uma prova licitamente apurada, há que ser deferida a solicitação do Presidente do Conselho da Câmara.
Ressalte-se que esse já tem sido o posicionamento da Corte em outras questões de ordem suscitadas no mesmo sentido.
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