sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pontos controvertidos na Lei de Drogas



Resumo: 1. Das circunstâncias preponderantes para fixação da pena-base; 2. Da causa de aumento do tráfico interestadual; 3. Da causa de aumento do transporte público.


1. Das Circunstâncias Preponderantes na fixação da pena-base e sua correlação com a causa de diminuição.

Desde sua publicação apontamos, mesmo em vacatio legis, a controvérsia quanto à retroatividade da causa de diminuição do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 .

Mas, o embate jurídico quanto a nova lei de drogas só começou a surgir nos tribunais após alguns meses de sua vigência, sendo que o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela possibilidade de retroagir a causa de diminuição (HC 88.114/MS), mas continua apresentando divergências, com interpretações positivistas (kelsiniana), sem qualquer relação com o fundamento da norma penal.

Certo é que consolidando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o artigo 42 da Lei 11.343/06 inovou ao prever circunstâncias preponderantes na fixação da pena-base, sendo uma de caráter objetiva, como a natureza, quantidade da substância ou do produto e a variedade da droga como valoração apta a imposição da pena acima do mínimo legal.

Confirmando a necessidade de individualizar a pena de acordo com as condições pessoais do agente, instituiu duas circunstâncias preponderantes subjetivas, como a personalidade e conduta social.

Analisando, contudo, o contexto da Lei, especificamente o artigo 42 com a sistemática do § 4º do artigo 33, pode-se chegar à conclusão de que embora seja significativa a quantidade da droga ou sua variedade, se o agente possuir bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas, nem integrar organização criminosa, terá direito à diminuição, dando em tese preponderância a estas circunstâncias na individualização, no que se refere à terceira fase da fixação da pena (sistema trifásico do art. 68 do CP).

A quantidade da droga e sua variedade têm como objetivo nortear a diminuição entre o máximo e o mínimo legal .

Mas, há entendimento de que a quantidade da droga por si só é motivo para excluir a incidência da causa de diminuição , pois leva à presunção de integrar organização criminosa ou indicativo do seu envolvimento na disseminação de drogas em grande escala, o que é impossível, em tese, segundo decidido pelo STJ .

Por outro lado, outro ponto polêmico são as causas de aumento de pena previstas no artigo 40, inciso III e V da Lei 11.343/06.

Em que pese seja extenso o rol das causas de aumento criadas pelo artigo 40 da Lei 11.343/06, a opção por delimitar a incidência de duas delas tem por razões a justificativa da sua possível incidência diante da posição geográfica do Estado de Mato Grosso do Sul, onde além de ser rota do tráfico, é significativa a ação por "mulas" por intermédio do transporte público.

2. Do tráfico interestadual.

Com objetivo de impor e efetivar os objetivos da Política Nacional sobre Drogas, enunciados no Decreto nº 5.812, de 27 de setembro de 2006, que regulamenta a Lei 11.343/06, vislumbra-se que algumas das causas de aumento têm finalidade de combater o tráfico com ênfase na fronteira terrestre e circulação no território nacional, diante a disseminação da droga, dando valoração ao resultado (maior perigo a saúde pública).

Inovando, o legislador não só impôs uma causa de aumento para o tráfico internacional, e agora determinando que seja competência exclusiva da justiça federal, como dispõe o artigo 70 e seu parágrafo único , como outra no caso de tráfico interestadual, no inciso V do artigo 40 (caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal).

No entendimento de Salo de Carvalho , nesta hipótese a aplicação da causa de aumento pode ocasionar bis in idem, já que os verbos importar e exportar são desdobramentos do verbo vender, já definido no artigo 33, caput da Lei nº 11.343/06. Por outro lado, para incidência da agravante é imprescindível à transposição de fronteiras.

No mesmo sentido leciona Renato Marcão , de que "é preciso prova efetiva de que a droga provém de outro Estado da Federação, ou de que se trata de trafico entre Estados e Distrito Federal".

Outra não é a exposição de Marcus Edoardo de Sá Earp Siqueira :

A causa de aumento somente incide se o crime efetivamente ultrapassar a barreira estadual e não se a droga não chegar a ir além do Estado, ficando apenas na fase da intenção (agente quer transportar a droga para outro Estado, e antes de cruzar a fronteira é preso em flagrante).

Logo, a simples intenção não e por si só fator para incidência da causa de aumento .

O entendimento, porém, não é unânime, existindo divergência, como ocorre na Primeira Turma Criminal do TJMS, onde já se decidiu que "demonstrando que o agente transportaria a droga para outro Estado da Federação, resta caracterizada a majorante contida no inciso V do art.40 da Lei 11.343/06" , e em outro julgamento pela desconsideração da agravante "pelo fato de a droga não ter chegado a outro Estado" .

Porém, em embargos infringentes a seção criminal decidiu no seguinte sentido:

E M E N T A - EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL - INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, INCISO V, DA LEI 11.343/2006 - POSSIBILIDADE - AGENTE PRESO DENTRO DOS LIMITES DO ESTADO - RECURSO PROVIDO. Não justifica a aplicação da causa de aumento prevista no inciso V do art. 40 da Lei 11.343/2006 (tráfico interestadual), a apreensão de entorpecentes ilícitos no momento em que o agente ainda está no território onde ele os adquiriu, sendo insuficiente a mera intenção do agente. (TJMS - Embargos Infringentes em Apelação Criminal - nº 2007.031985-2/0001-00 - Seção Criminal - Rel./designado. Des. Claudionor Miguel Abbs Duarte - j.7.04.2008). (grifo nosso)

Segundo a oitava câmara criminal "c" do TJSP, o fato do agente ser preso em local diverso da unidade da federação em que reside é prova hábil para incidência da agravante .

Mas, recentemente decidiu o STJ no HC 99.373/MS que "a causa especial de aumento de pena prevista no inciso V do artigo 40 da nova Lei Antidrogas pressupõe que os agentes tenham ultrapassado a fronteira entre duas ou mais unidades federativas".

3. Do Tráfico em Transporte Público.

Segundo Renato Marcão , para incidência do aumento é necessário além da infração ter sido cometida em qualquer dos locais indicados no inciso III do art. 40, uma finalidade de alcançar as pessoas que freqüentam os locais determinados, inclusive traz decisão do TJSP no seguinte sentido:

A causa de aumento da pena somente tem lugar quando o agente nos locais ali especificados se encontrar com intuito de conseguir clientela ou ampliar seu torpe comércio de tóxicos, difundindo o vício entre doentes, estudantes ou presidiários - inclui-se passageiros -. (TJSP - Ap.5.803-3. 2ª Câm. J. 16-3-1981, Rel. Rezende Junqueira, v.u. RT 558/310),

Não discrepa deste ensinamento Guilherme de Souza Nucci , onde reforça que a causa de aumento se justifica "quando for maior aglomeração de pessoas, e mais fácil, ágil e disseminado torna-se a mercancia da droga, razão pela qual se justifica a causa de aumento da pena".

Outra não é a exposição de Clóvis Alberto Volpe Filho de que a razão da causa de aumento é porque "nesses locais a droga consegue se difundir com maior facilidade, duplicando sua potencialidade lesiva ao corpo social. Esses locais são mais suscetíveis para a propagação de tóxico, além de ser alto o grau de vulnerabilidade das pessoas reunidas em determinados grupos".

Logo, ao que transparece, não é o simples fato do agente transportar a droga de ônibus que faz incidir a agravante, se seu objetivo não é alcançar outros passageiros, até porque a lei visa proteger o local onde há maior possibilidade de disseminação da droga, dada a aglomeração de pessoas, tornando ágil e facilitando ao comércio, diante do acesso público (maior perigo à saúde pública).

No caso do agente estar na rodoviária para embarcar no ônibus com objetivo do transporte, sem qualquer intenção de oferecer as pessoas que por ali circulam ou passageiros no coletivo público, não faz incidir a aplicação literal da causa de aumento, por força de sua interpretação teleológica.

Levando-se em conta a contribuição do bem jurídico para interpretação da norma, como apontamos em Novos Rumos do Direito Penal , delimitando a importância do desvalor do resultado e a decisão do STJ de que para incidência da causa de aumento do emprego de arma no crime de roubo há necessidade de comprovar a ofensividade do objeto, serve neste ponto o mesmo raciocínio. Se a causa de aumento leva em consideração a exposição de Zaffaroni e Pierangeli quanto à intensidade de afetação do bem jurídico, por força de seu maior grau de afetação, é lógico que juízo de reprovação é maior diante a intenção de utilizar os locais com maior circulação de pessoas para difundir a mercancia da droga.

Entender que pelo simples fato de alguém ser preso na rodoviária ou dentro do transporte público é suficiente para incidência da causa de aumento, seria instituir uma causa de aumento discriminatória aos hipossuficientes (mulas), sem qualquer razão substancial plausível, pois se alguém transportar de automóvel particular significativa quantidade de droga em compartimento secreto, por ter condições realizar a conduta com meios e custo mais elevado, terá pena menor do que aquele que o faz por transporte público, impondo diferenciação no juízo de reprovação sem razão para tanto.

Contudo, em interpretação literal, sem levar consideração o desvalor do resultado quanto à intensidade de lesão ao bem jurídico, contrariando a evolução contemporânea do direito penal, há decisão aplicando a causa de aumento quando o transporte for feito dentro de táxi , ou se o agente é preso na rodoviária aguardando para embarcar em ônibus intermunicipal.

Com efeito, não há qualquer fundamento razoável e objetivo que possa legitimar a aplicação da causa de aumento (irrefletida, automática e imediata) pelo simples fato de estar aguardando o embarque na rodoviária ou dentro do transporte público, sem pertinência coerente com o objetivo da causa de aumento, que é maior reprovação diante o deslavor do resultado (maior lesão ao bem jurídico) como atingir número indeterminado de pessoas.

Como não há mais espaço para o brocado jurídico in claris cessat intrepretatio, há necessidade de analisar o fundamento, o conteúdo e o significado da norma, pois "a interpretação do direito realiza-se não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao interprete ser alfabetizado".

Fonte:
DUCCINI, Clarence Willians. Pontos Controvertidos na Lei de Drogas

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