A definição de exigências em edital de abertura de concurso público é de caráter discricionário da Administração Pública, ou seja, a autoridade constituída pode definir livremente as exigências, com base na oportunidade e na conveniência do momento do certame. No entanto os requisitos para a ocupação dos cargos oferecidos em concurso devem estar previstos em lei, e não apenas no edital da concorrência. As conclusões são da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O colegiado negou recurso à candidata que foi eliminada em concurso para o cargo de soldado da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul por não ter apresentado carteira nacional de habilitação, documento exigido no edital.
A candidata foi aprovada nas quatro fases iniciais do concurso para o cargo de soldado da PM/MS e convocada para o curso de formação, etapa subseqüente do certame. Para se matricular no curso, ela deveria apresentar, como previsto no edital, uma série de documentos, entre eles a carteira nacional de habilitação (CNH). A concorrente não entregou a cópia da CNH, mas apresentou documento atestando o andamento do seu processo de habilitação na Agência de Trânsito local, à época ainda não concluído.
CNH x próxima fase
Diante da falta da CNH exigida no edital, a concorrente foi eliminada do concurso. Com isso, ela entrou com um mandado de segurança para questionar a exigência do documento e ter efetivada sua matrícula no curso de formação para o cargo. O mandado foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS). A Corte estadual entendeu "razoável e atinente ao cargo a ser ocupado a exigência de Carteira Nacional de Habilitação pelo edital de abertura do concurso e, ainda, observado escorreitamente o respeito aos demais candidatos, que apresentaram a CNH".
A candidata recorreu ao STJ reiterando seus argumentos e o pedido de matrícula no curso de formação. Ela afirmou ter direito líquido e certo à sua inscrição na próxima fase do certame. Para a concorrente, a exigência da CNH não tem respaldo legal e, por isso, contraria o Princípio da Legalidade. Segundo a concursanda, a Lei complementar 53/90 (Estatuto dos Policiais Militares do Mato Grosso do Sul) não exige que o candidato seja habilitado para conduzir veículo para fins de matrícula no curso de formação de soldados.
A defesa do Estado de Mato Grosso do Sul contestou as razões do recurso. Segundo os advogados do Estado, a concursanda teria perdido o prazo para discutir o edital, que seria de 120 dias da publicação do referido documento. Além disso, a exigência da CNH para matrícula no curso de formação para soldado é legal e tem por base o Decreto 9.954/00.
Edital legal
Ao analisar o processo, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, rejeitou o pedido, apesar de entender que a discussão teve início dentro do prazo, ou seja, a afirmação do Estado de que o direito de discutir o edital teria prescrito não foi aceita pelo ministro do STJ. "Não se pode exigir do candidato a impugnação de todas as regras previstas no edital que entenda ilegais, antes mesmo de ser prejudicado por elas". Para o ministro, o prazo de decadência (perda do direito de discutir na Justiça), "é contado a partir do ato concreto realizado sob a égide de cláusula editalícia reputada ilegal e não da publicação do edital".
Mesmo entendendo que a candidata tem direito a discutir a questão na Justiça, o ministro Arnaldo Esteves Lima concluiu que ela não tem razão em seus argumentos contra a exigência da CNH para a matrícula na fase do curso de formação. Para o magistrado, os requisitos destacados em um edital de concurso público "devem ser estabelecidos em estrita consideração com as funções a serem futuramente exercidas pelo servidor, sob pena de serem discriminatórios e violadores dos princípios da igualdade e da impessoalidade".
E, segundo o relator, no caso em discussão, a exigência da CNH para a próxima fase do concurso está de acordo "com as funções a serem exercidas pelo servidor dentro do cenário da Administração Pública, já que, como cediço, os soldados da Polícia Militar utilizam rotineiramente veículos automotores para efetuar segurança ostensiva, protegendo a coletividade".
O ministro ressaltou, ainda, que os requisitos para a ocupação de cargo público devem estar previstos em lei e que o edital de concurso pode citar a legislação. "O que não é lícito é que tal exigência seja apenas prevista no edital". No caso, segundo o ministro, ao contrário das alegações da recorrente (concursanda), o julgado do TJMS afirma que o requisito da CNH para o cargo de soldado "está previsto na Lei Complementar 53/90, complementada pelo Decreto estadual 9.954/00, em conformidade com a ressalva prevista no inciso II do artigo 37 da Carta Magna (Constituição Federal)". Assim, a exigência tem respaldo legal e, portanto, "a exclusão da recorrente do certame não violou nenhum preceito constitucional".
COMENTÁRIO
A decisão em tela discute sobre a necessidade da previsão legal dos requisitos para a ocupação dos cargos oferecidos em concurso, e não apenas no edital.
A realização do certame competitivo prévio é obrigatório para a investidura em cargo ou emprego, pois concurso público, salvo nos cargos em comissão ou de contratação temporária, é a porta de entrada para a Administração Pública. No mesmo sentido a Constituição Federal no inciso II do artigo 37 dispõe que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações". (grifos nossos)
Não obstante a obrigatoriedade do concurso público para a investidura, a decisão sobre sua realização fica a inteira discrição do Poder Público, que de acordo com a conveniência e oportunidade decidirá sobre a concretização ou não do certame. Ademais, nas palavras de Hely Lopes Meirelles "O concursorequisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF". (grifos nossos)
É o meio técnico posto a disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos
Do enunciado Constitucional supra, bem como do ensinamento do doutrinador Hely Lopes extrai-se a regra da necessidade de previsão expressa em lei dos requisitos exigidos dos candidatos ao cargo ou emprego público. Aliás, esse também foi o entendimento do Tribunal a quo e da Corte Superior sintetizado na decisão do Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima de que os requisitos para a ocupação de cargo público devem estar previstos em lei e que o edital de concurso pode citar a legislação, concluindo que "O que não é lícito é que tal exigência seja apenas prevista no edital".
No que tange ao edital, todo concurso público necessariamente será precedido por um, pelo qual se tornam explícitas as regras que nortearão o relacionamento entre o candidato e o órgão público. Dessa forma, o edital pode ser considerado como um ato normativo e, desde que conforme com a CR/88 e a lei, disciplinará todo o procedimento do certame. Assim, tanto os candidatos, quanto o órgão público que realiza o concurso, devem observância às regras editalícias, à luz do princípio da vinculação ao edital, que determina a obediência de todos.
Diante dessa necessária observância bilateral ao edital, não se admite o descumprimento às suas regras, principalmente por que se os requisitos para o acesso aos cargos ou empregos públicos estão estabelecidos em lei formal, eventual descumprimento será uma afronta ao princípio da legalidade.
Cumpre esclarecer que os requisitos exigidos em um concurso, ainda que, previstos em lei, só se justificam se estiverem em consonância com a natureza do cargo, caso contrário poderá ser considerado discriminatório e ofensivo ao princípio da isonomia e da impessoalidade. No caso em comento, a exigência da Carteira de Habilitação está de acordo com as funções a serem exercidas por soldados da Polícia Militar, vez que "utilizam rotineiramente veículos automotores para efetuar segurança ostensiva, protegendo a coletividade".
Por fim, vale ressaltar que também foi manifestado o entendimento de que o prazo para impugnar as regras editalícias é contando a partir da realização do ato in concreto e não da data da publicação do edital, pois "Não se pode exigir do candidato a impugnação de todas as regras previstas no edital que entenda ilegais, antes mesmo de ser prejudicado por elas".
DECISÃO http://www.stj.jus.br
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