LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA.
A Turma, por maioria, denegou a ordem, reafirmando que, em se tratando de lesões corporais leves e culposas praticadas no âmbito familiar contra a mulher, a ação é, necessariamente, pública incondicionada. Explicou a Min. Relatora que, em nome da proteção à família, preconizada pela CF/1988, e frente ao disposto no art. 88 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afasta expressamente a aplicação da Lei n. 9.099/1995, os institutos despenalizadores e as medidas mais benéficas previstos nesta última lei não se aplicam aos casos de violência doméstica e independem de representação da vítima para a propositura da ação penal pelo MP nos casos de lesão corporal leve ou culposa. Ademais, a nova redação do § 9º do art. 129 do CP, feita pelo art. 44 da Lei n. 11.340/2006, impondo a pena máxima de três anos à lesão corporal qualificada praticada no âmbito familiar, proíbe a utilização do procedimento dos juizados especiais e, por mais um motivo, afasta a exigência de representação da vítima. Conclui que, nessas condições de procedibilidade da ação, compete ao MP, titular da ação penal, promovê-la. Sendo assim, despicienda, também, qualquer discussão da necessidade de designação de audiência para ratificação da representação, conforme pleiteava o paciente. Precedentes citados: HC 84.831-RJ, DJe 5/5/2008, e REsp 1.000.222-DF, DJe 24/11/2008. HC 106.805-MS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 3/2/2009.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 quando se tratar de crime de lesão corporal leve ou culposa contra a mulher, praticada no âmbito familiar. A ministra relatora Jane Silva baseou sua decisão em três dispositivos:
Lei nº 11.340/2006, "Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995".
Código Penal, "art. 129. Ofender a integridade corporal ou saúde de outrem: "§ 9º. Se a violência for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade
Constituição Federal, art. 226, "§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações".
Portanto, trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, cuja propositura cabe ao Ministério Público, não se admitindo acordo, renúncia à representação, transação, composição dos danos ou suspensão do processo.
Sobre a Lei: A Lei 11.343/2006, conhecida como "Lei Maria da Penha", traz em seu artigo 5º o conceito de violência doméstica: "Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação".
Este conceito deixa bem claro que é obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, onde o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. A Lei ressalva que não há necessidade de agressor e vítima viverem sob o mesmo teto, basta que o agressor e a agredida mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar. Também não é imprescindível que as partes sejam marido e mulher, nem que sejam ou tenham sido casados, nem que vivam ou tenham vivido em união estável, o mais importante é que exista ou tenha existido uma relação íntima de afeto.
Guilherme de Souza Nucci entende que a Lei nº 11.343/2006 extrapolou o espírito dos tratados ratificados pelo Brasil, foi mais abrangente, pois basta a convivência presente ou passada, independente de coabitação. Na Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, pune-se a violência contra a mulher desde que 'tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual'.
O agente agressor pode ser homem ou mulher, o objetivo da Lei é coibir e prevenir qualquer tipo de violência doméstica contra a mulher. Maria Berenice Dias, em seu livro "A Lei Maria da Penha na Justiça", traz algumas situações englobadas pela Lei: "A empregada doméstica, que presta serviço a uma família, está sujeita à violência doméstica. Assim, tanto o patrão quanto a patroa podem ser os agentes ativos da infração. Igualmente, desimporta o fato de ter sido o neto ou a neta que tenham agredido a avó, sujeitam-se os agressores de ambos os sexos aos efeitos da Lei. A parceira da vítima, quando ambas mantém uma união homoafetiva, também responde pela prática de violência de âmbito familiar. Os conflitos de mães e filhas, assim como os desentendimentos entre irmãs está ao abrigo da Lei Maria da Penha quando flagrado que a agressão tem motivação de ordem familiar".
Quanto ao sujeito passivo, é imprescindível que seja mulher, estando abrangidos neste conceito as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Bem como, as mães, sogras, avós ou qualquer parente que mantém vínculo familiar com o agente agressor.
A Lei traz diversas medidas de prevenção, de assistência e o procedimento de atendimento pela autoridade policial, previstas nos artigos 8º a 12.
É importante esclarecer que nas hipóteses de delitos cuja ação penal for pública condicionada à representação ou privada, cumpre a autoridade policial ouvir a vítima, para que ela manifeste sua intenção de representar contra o ofensor, explicando a ela as conseqüências de sua opção, ou seja, o agressor será preso em flagrante. Lavrado o flagrante, a autoridade policial deve analisar a possibilidade de concessão de fiança
A questão da inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95, prevista de forma repetitiva na própria Lei Maria da Penha, e confirmada pelo STJ, ainda gera muita divergência e muitos aspectos devem ser pensados. Não se sabe se o endurecimento da legislação trará os efeitos desejados de coibir o número de agressões, visto que, em muitos casos, o agente agressor pode ser o único provedor da família, e a então vítima pode pensar muito mais para denunciá-lo e ficar sem seu amparo financeiro.
É preciso que seja feito um sério trabalho de pesquisa e estatística sobre seus resultados, sobre o aumento ou diminuição da violência, sobre o conforto que a lei buscou trazer as "mulheres" e, a depender dos resultados, repensar as medidas tomadas, na busca de algo que efetivamente traga benefícios.
Informativo 382
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