quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Justiça autoriza aborto por anencefalia


Justiça acolhe pedido da OAB e autoriza interrupção de gravidez

Campo Grande (MS), 21/01/2009 - O juiz Aloísio Pereira dos Santos, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, concedeu hoje (21) autorização para que seja interrompida a gravidez da gestante T. S. A., cujo feto apresenta anomalia cerebral e vem colocando em risco a vida da mãe. A decisão saiu em menos de 48 horas após o pedido apresentado à Justiça pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Mato Grosso do Sul, em atendimento a uma solicitação dos médicos que acompanham a gravidez.

O feto está sendo gerado sem o osso do crânio e exposto ao líquido amniótico. A família já foi comunicada da decisão judicial. Cópia do documento será entregue ainda hoje ao ginecologista e obstetra Rogério Brustoloni Guimarães.

COMENTÁRIO

O Código Penal brasileiro prevê o crime de aborto nos seguintes artigos:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Note-se que, o primeiro artigo tipifica duas condutas da gestante, quais sejam a pratica do aborto e o consentimento na prática do aborto. Já os dois últimos artigos dispõem sobre a tipificação da conduta de terceiro que provoca o aborto com ou sem o consentimento da gestante.

Também dispõe o Código Penal situações em que o aborto é permitido, ou seja, quando a gravidez representa um risco concreto para a gestante ou quando resultou de estupro. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A notícia em comento, não diz respeito a nenhum dos casos acima, mas do aborto por anencefalia, isto é, de feto sem ou com má formação do crânio, o qual não tem permissão legal expressa para sua realização.

Sobre essa omissão legislativa o Prof. Luiz Flávio Gomes tece o seguinte comentário: "Nosso Código penal, como se vê, ainda é bastante conservador em matéria de aborto. Isso se deve muito provavelmente à influência que ainda exerce sobre o legislador certos setores religiosos. O processo de secularização do Direito ainda não terminou. Confunde-se ainda religião com Direito. No caso do aborto por anencefalia (autorizado pelo Min. Marco Aurélio, do STF) o debate instaurado evidenciou isso de forma exuberante. Não existe razão séria (e razoável) que justifique a não autorização do aborto quando se sabe que o feto com anencefalia não dura mais que dez minutos depois de nascido. Aliás, metade deles já morre durante a gestação. A outra perece imediatamente após o parto. A morte, de qualquer modo, é inevitável".

Hodiernamente, tramita na Corte Suprema a ADPF 54 na qual se discuti a questão do aborto anencefálico. Em julho de 2004, o Ministro Relator Marco Aurélio autorizou, em sede de liminar, a antecipação do parto nesses casos em todo o país. Contudo, o Tribunal, por maioria, acolheu a proposta do Ministro Eros Grau e revogou a liminar concedida, referendando apenas o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado.

O Supremo Tribunal Federal, antes de julgar o mérito da ADPF 54, está realizando audiência pública para discutir a possibilidade, ou não, do aborto do feto anencéfalo. Contudo, enquanto não há decisão definitiva sobre o tema, muitas gestantes vivenciam a angústia de darem à luz a bebês que não duram mais que dez minutos depois de nascido, ou o pesar de carregar fetos que já morrem durante a gestação, ou seja, a morte, de qualquer modo, é inevitável.

Segundo o Prof. Luiz Flávio Gomes "O nascimento de um novo ser humano no planeta deve sempre ser motivo para comemoração, não para decepção. Nascimento é alegria, é vida e isso nada tem a ver com o clima funerário que gera a gestação assim como o nascimento do feto anencefálico. (...) Os que sustentam (ainda que com muita boa-fé) o respeito à vida do feto devem atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Se até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento".

Não obstante, a omissão legislativa e a revogação da liminar da ADPF 54, no caso em tela, o magistrado concedeu autorização para que seja interrompida a gravidez de feto que está sendo gerado sem o osso do crânio e exposto ao líquido amniótico, o que a nosso ver foi uma decisão com o intuito de evitar sofrimento inútil do ser humano.



Fonte: www.oab.org.br

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