domingo, 29 de junho de 2008

Lei 11.689/08: análise completa do novo procedimento do Júri


No dia 14 de maio, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou a redação final do PL 4.203/01, remetendo-o à sanção presidencial, o que se concretizou ontem, dia 09 de junho.

Agora, estamos diante da Lei 11.689/08, que altera substancialmente o procedimento dos processos de competência do Tribunal do Júri. Apenas uma observação: não se trata, ainda, do projeto referente à prioridade em tais processos, mas, sem dúvida, um grande avanço na legislação penal e processual penal brasileira.

Nesse momento, uma ressalva se mostra indispensável. As novas regras previstas para o Júri somente entram em vigor dentro de 60 dias, período esse estipulado na sanção presidencial como vacatio legis. É o que se extrai do artigo 3º da Lei 11.689/08.

No Brasil, em consonância com o artigo 1º da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil) a vacatio legis é, salvo determinação expressa da lei, de 45 dias ("salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada").

Vejamos.

É a LC (Lei Complementar) 95/98 que estabelece as regras gerais para a contagem desse prazo. Em seu artigo 8º, § 1º dispõe que "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral".

Do que se vê, o cálculo da vacatio legis é feita em dias, incluindo o primeiro dia do prazo, ou seja, aquele que se refere à publicação da norma, e, o do fim, entrando a lei em vigor, no primeiro dia seguinte.

A Lei 11.689/08 foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) hoje, dia 10 de junho. Fazendo o cômputo do prazo, de acordo com as regras supracitadas, a Lei entrará em vigor no dia 09 de agosto.

Uma vez vencida a análise de todos esses aspectos formais, cumpre-nos verificar as mudanças trazidas. Com o projeto, altera-se o artigo 434 do CPP, que prevê a idade mínima de 21 anos para a participação no Júri, que passará para 18 anos.

A primeira fase do procedimento, chamada pela doutrina de sumário da culpa ("iudicium accusatione") também foi alvo de importantes alterações. Nessa linha, alteraram-se os artigos 406 e seguintes do CPP, que, antes da Lei 11.689/08, tratavam da decisão de pronúncia, impronúncia e absolvição sumária, matérias essas que, com o advento da nova legislação, são analisadas em novos dispositivos.

Em consonância com as novas regras, essa etapa será substituída por uma fase preliminar contraditória, que antecede o próprio recebimento da denúncia, na qual o juiz ouvirá as testemunhas, interrogará o acusado, determinará diligências e, em seguida, decidirá sobre a admissibilidade (ou não) da peça acusatória. E, tudo, no prazo de 90 dias. É o que a doutrina intitula de juízo de admissibilidade da acusação marcado pelo contraditório.

Realmente, um grande avanço, em atendimento ao princípio constitucional da razoável duração do processo. Há de se notar que, o descumprimento injustificável desse prazo pela Justiça, caracteriza constrangimento ilegal, o que abre espaço para os remédios cabíveis.

Analisemos a nova redação conferida ao artigo 406 "oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias ou, no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou defensor constituído".

É no artigo 412, com redação trazida pela Lei em estudo, que encontramos o prazo de 90 dias para o término desta fase.

O novo artigo 413 estabelece que "encerrada a instrução preliminar, o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação". Essa nova redação praticamente reproduz o que hoje traz o artigo 408 do CPP, com uma diferença: fala-se, também, em indícios suficientes de participação no crime.

Note-se que a nova legislação, de forma expressa, proíbe que o magistrado, ao pronunciar, realize qualquer valoração sobre os fatos ou sobre o réu. A vedação está prevista no § 1º do dispositivo supracitado, segundo o qual: "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena". É o fim da chamada eloqüência acusatória.

No que se refere à absolvição sumária, o regramento conferido pela Lei 11.689/08 amplia as suas hipóteses, determinando, no artigo 415 que "o juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando I) provada a inexistência do fato; II) provado não ser ele o autor; III) o fato não constituir crime; IV) demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime". Atualmente (posto que a nova legislação ainda se encontra em vacatio legis), de acordo com o artigo 411 do CPP, fala-se em absolvição sumária, quando "o juiz se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu, recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação".

No parágrafo único deste dispositivo, fora inserida uma importante ressalva. Não haverá absolvição sumária com base no inciso IV (causa de isenção de pena ou de exclusão do crime), quando se tratar de hipótese de inimputabilidade do artigo 26 caput do CP ("é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento"), exceto se essa for a única tese defensiva.

Uma observação importante deve ser feita neste momento: os recursos previstos contra a decisão de impronúncia e absolvição sumária também foram alterados. Em consonância com o artigo 581, IV e VI do CPP, o recurso cabível em tais situações é o RESE (recurso em sentido estrito), mas, com o advento da lei em estudo, passará a ser a apelação, nos termos do novo artigo 416 ("contra sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação").

Por conseguinte, ao cuidar da intimação da pronúncia, uma improbidade técnica foi corrigida no artigo 420, com a nova redação trazida pela Lei 11.689/08, que estabelece "a intimação da DECISÃO de pronúncia será feita: I) pessoalmente, ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público; II) ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público".

Com tais alterações, estará encerrada a discussão acerca da natureza jurídica da pronúncia. Parte da doutrina entende, hoje, que se trata de sentença, mais precisamente, uma sentença processual (Mirabete). Por outro lado, há quem defenda a sua natureza de decisão interlocutória não terminativa, posto que não encerra o processo, mas, apenas uma fase, determinando o início de outra. Segundo nosso ver, esse é o entendimento mais correto. Com a sanção desta reforma, a celeuma se finda, haja vista que a norma se refere, expressamente, à decisão.

Mais uma importante alteração se extrai deste mesmo dispositivo, e, se refere à intimação pessoal da decisão de pronúncia. Em consonância com o regramento atual (artigo 413 do CPP), o processo não pode ter prosseguimento até que se proceda à intimação pessoal da pronúncia, nos crimes inafiançáveis. É a chamada crise de instância, que impõe a suspensão do processo, até que o réu seja encontrado, e, permite a decretação da prisão preventiva, com fundamento na garantia da aplicação da lei penal.

Com o novo procedimento trazido pela Lei 11.689/08, em se tratando de réu solto, admite-se a intimação desta decisão por edital, com o normal prosseguimento do feito (artigo 420, parágrafo único).

Outra importante alteração se refere ao desaforamento. O artigo 428 cria uma nova hipótese de aplicação do instituto qual seja, a não realização do julgamento, em Plenário, nos 6 meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de pronúncia ("o desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia"). Numa situação como essa, o desaforamento será para a Comarca vizinha, que esteja desobstruída.

Em consonância com o procedimento adotado pelo CPP (Código de Processo Penal) até então, com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, ao Ministério Publico é aberto prazo de 5 dias para o oferecimento do libelo acusatório. Com a nova Lei, extingui-se essa fase, considerada desnecessária pela doutrina, posto que o libelo era considerado o "espelho" da pronúncia, devendo reproduzi-la integralmente.

Não podemos esquecer das alterações relativas às recusas, por parte da defesa e da acusação, dos jurados que deverão integrar o Conselho de Sentença, principalmente no que se refere à dupla recusa.

O ainda vigente artigo 461 estabelece que "se os réus forem dois ou mais, poderão incumbir das recusas um só defensor; não convindo nisto e se não coincidirem as recusas, dar-se-á a separação dos julgamentos, prosseguindo-se somente no do réu que houver aceito o jurado, salvo se este, recusado por um réu e aceito por outro, for também recusado pela acusação". Assim, hoje, em sendo dois os réus, abre-se espaço para que os advogados combinem entre si as recusas, conduzindo à cisão do julgamento.

Com a reforma, o regramento passou a ser feito pelo artigo 469, segundo o qual "se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas poderão ser feitas por um só defensor". Do que se vê, não mais se cogita da possibilidade de dupla recusa, e, consequentemente, da cisão do julgamento por esse motivo.

Significativa alteração está na consagração, pela nova ordem jurídica, do sistema da cross examination. Note-se que esse modelo de inquirição de testemunhas foi adotado tanto na primeira fase do Júri, como no Plenário. Mas, o que seria?

Trata-se da possibilidade de reperguntas, por parte da defesa e acusação, diretamente às testemunhas, sem a necessidade de referir-se primeiramente ao juiz, afastando, assim, o antigo sistema presidencialista, adotado pelo CPP de 1941. É o que dispõe o artigo 473, in verbis.

Art. 473. Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação.

§ 1o Para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo.

§ 2o Os jurados poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente.

Nesse momento, uma observação se impõe. O próprio § 2o da norma em questão traz uma exceção: os jurados são os únicos que não podem formular perguntas diretamente às testemunhas.

Assim, podemos afirmar que, com a Lei 11.689/08 o ordenamento jurídico pátrio adotou um sistema misto de inquirição de testemunhas, ora pela cross examination, quando se tratar de reperguntas do Ministério Público (acusação) ou da defesa, ou presidencialista, nas perguntas formuladas pelos jurados.

A leitura de peças em Plenário também foi alvo de modificação. Atualmente, não há qualquer limite, podendo as partes solicitarem a leitura de quantas peças considerarem necessárias. Com a Lei 11.689/08, somente haverá a leitura do que considerado imprescindível, como por exemplo, de provas cautelares.

Cumpre-nos analisar agora, a eficácia temporal da Lei 11.689/08, depois de cumprida a vacatio legis, ou seja, quando já em vigor. Sobre o tema, o artigo 2º do CPP determina que "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior", donde se extrai a aplicação imediata das normas genuinamente processuais.

Partindo desta premissa, há se de notar que somente as normas puramente processuais possuem aplicação imediata. Em sendo o caso de lei processual com efeitos penais, isto é, que indiretamente afetam o direito de liberdade do indivíduo, somente se reconhecerá a eficácia imediata quando benéfica ao réu.

Em relação às normas trazidas pela Lei 11.689/08, verifica-se que, em praticamente sua totalidade, estamos diante de normas essencialmente procedimentais, o que evidencia a possibilidade de aplicação imediata, ou seja, a todos os processos em andamento (ainda que anteriores à Lei). No entanto, uma ressalva se impõe: a regra trazida pelo artigo 4º, pertinente à extinção do Protesto por Novo Júri, se evidencia prejudicial ao direito constitucional da ampla defesa, sendo impossível conferir-lhe eficácia retroativa, posto que prejudicial ao réu.

Veja as mudanças pontuais trazidas pela Lei 11.689/08:

1- Formação do Júri: idade mínima para participar como jurado cai de 21 para 18 anos;

2- Substituição da iudicium accusatione por uma fase contraditória preliminar, a ser encerrada em 90 dias;

3- Vedação expressa da eloqüência acusatória na decisão de pronúncia;

4- Ampliação das hipóteses de absolvição sumária;

5- Recurso cabível contra as decisões de impronúncia e absolvição sumária, que não mais será o RESE, mas sim, a apelação;

6- Intimação da decisão de pronúncia: em se tratando de réu solto, passa a ser admitida a intimação por edital, com o normal prosseguimento do feito, o que colocou fim à chamada crise de instância;

7- Desaforamento para a Comarca vizinha: quando julgamento não realizado nos 6 meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de pronúncia;

8-Extinção do libelo acusatório;

9- Impossibilidade de dupla recusa de jurados;

10- Adoção da cross examination;

11- Limitação na leitura de peças em Plenário;

12- Extinção do Protesto por Novo Júri.

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