quinta-feira, 26 de junho de 2008

Lei 11.690/08: o novo regramento das provas ilícitas


O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei 4205/2001 e no dia 10.06.2008, foi publicada no Diário Oficial a Lei 11.690/2008.

A nova Lei trouxe, ao Código de Processo Penal, alterações que tiveram por escopo dar mais celeridade, simplicidade e segurança ao processo penal e com isso alcançar a efetiva prestação jurisdicional.

Em março de 2001 foi apresentada à Câmara o PL 4205/2001, de autoria do Poder Executivo, e apesar de ter sido aprovado por unanimidade o regime de tramitação de urgência para a apreciação deste PL Projeto somente seis anos depois de sua apresentação ao Plenário da Câmara é que o Projeto chega ao Plenário do Senado Federal, de onde leva mais um ano para voltar ao Poder Executivo e ser sancionado, dando origem a Lei 11.690/2008.

Logo, não é de hoje que se busca acelerar o ritmo da marcha processual penal, não obstante o desacelerado regime de tramitação do Projeto de Lei.

A Lei 11.690/2008 traz importantes modificações às regulamentações das provas, dos exames periciais, das perguntas ao ofendido, da inquirição das testemunhas e das causas de absolvição do réu.

A primeira norma do CPP a ser alterada é o artigo 155, que ao prever que o juiz forme "sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial" e vedar que sua decisão seja fundamentada "exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação", acaba positivando o entendimento doutrinário de que a investigação preliminar é peça meramente informativa e com finalidade de instruir uma futura ação penal, portanto, sem valor probatório. Mas o dispositivo vai além e corretamente, em sua ressalva, atribui valor judicial às "provas cautelares, não repetíveis e antecipadas", que terão seu contraditório diferido para a fase judicial.

A produção dessas provas cautelares, com a nova redação do inciso I, art. 156, poderá ser atribuída ao juiz, que terá a faculdade, de ofício, de "ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida". No mais o artigo continua a contemplar a regra de que o ônus da prova é de quem alega, pois todo acusado é presumidamente inocente, e mantém também a possibilidade do juiz, de ofício, complementar a atividade probatória das partes no curso da instrução criminal, o que pode ser considerado, segundo Luiz Flavio Gomes, como um resquício do princípio da inquisitividade.

O novo teor do artigo 157 traz à legislação infraconstitucional uma vedação já prevista no inciso LVI, art. 5º, Constituição Federal, ou seja, a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo. Notavelmente o artigo dá dois passos à frente, o primeiro determina que as provas ilícitas deverão ser desentranhadas do processo, e o segundo está no conceito de provas ilícitas contido no corpo do artigo, qual seja: "as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".

Fundamental a nova regulamentação do art. 157, pois além de coibir práticas infracionais do próprio Estado e assegurar direitos e garantias individuais de todos, acaba por fixar parâmetros legais dentro dos quais não mais se poderá alegar nulidade.

O parágrafo 1º desse artigo cuida da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, consagrando a posição já consolidada no Supremo Tribunal Federal sob os frutos envenenados (fruit of poisonous tree), ou seja, se a árvore está envenenada seus frutos também estarão, o que equivale a dizer que as provas derivadas da ilícita também serão ilícitas, pois o acessório segue o principal. Contudo, há a ressalva para os casos em que não há a necessária correlação de causa e efeito entre a prova ilícita e a derivada ou, ainda, quando esta puder ser obtida por uma fonte independente das primeiras. E na seqüência, proveitosamente, o parágrafo 2º traz o entendimento do que se considera por fonte independente.

Durante os sete anos de tramitação pelo Congresso, foram apresentadas dezoito emendas ao PL 4205/2001, restando rejeitadas oito. Dentre as rejeitadas merece a nossa atenção a emenda de nº. 2, pois ela foi uma tentativa do Senado suprimir o parágrafo 4º do art. 157, a seguir exposto:

"Art. 157 (...)

§ 4o O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão." (NR)

Esta emenda nº. 2 foi rejeitada pela Câmara sob os seguintes argumentos: "O dispositivo (...) visa a afastar do julgamento o juiz que tiver sido 'contaminado' pelo conhecimento de prova declarada ilícita, de forma a proteger as garantias do acusado e assegurar a imparcialidade do julgador. Ora, o simples fato de impedir que o juiz se valha de provas declaradas inadmissíveis para fundamentar sua decisão não basta para preservar os mencionados princípios norteadores do processo se o magistrado tiver conhecimento de tais provas. Esse mecanismo é insuficiente para garantir que o magistrado não tenha sua convicção - e, portanto, sua decisão - influenciada pelo conhecimento de provas inadmissíveis. Ademais, (...) o referido dispositivo, com a redação dada por esta Casa, atende melhor a vontade constitucional de impedir que provas ilícitas ou obtidas por meios ilícitos possam contaminar a subjetividade do julgador".

Contudo, ao ser encaminhado o Projeto para sanção do Presidente da República, o mesmo parágrafo 4º, do art. 157 que o Senado tentou suprimir, foi parcialmente vetado por entenderem ser contrario ao interesse público.

Foram basicamente estas as razões do veto apresentadas pelo Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União: "O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso".

Outra inovação relevante diz respeito aos exames periciais. A nova redação do art. 159 favorece as comarcas menores e mais distantes onde é recorrente a dificuldade em se conseguir 2 peritos oficiais, como exigia a antiga redação do Código. Assim, "o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizadas por perito oficial, portador de diploma superior".

Ressalte-se ainda que de acordo com o art. 2º, Lei 11.690/2008, a necessidade de diploma de curso superior não se aplica aos peritos oficiais que ingressaram na carreira sem essa exigência até a data da vigência dessa lei, que entrará em vigor 60 dias após a sua publicação (art. 3º).

Na falta do perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas também portadoras de diploma de curso superior. (§1º)

De acordo com o novo parágrafo 4º, art. 159 o assistente técnico, continuará a atuar depois da conclusão dos exames e da elaboração do laudo pelos peritos oficiais.

E o parágrafo 6º, art. 159 passa a permitir que o material probatório que serviu de base à perícia seja disponibilizado às partes, no ambiente do órgão oficial, sempre sob a guarda e presença do perito.

A inovação do artigo 201 está a partir do parágrafo 2º, que prevê a possibilidade do ofendido ser "comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem". Esse é também o entendimento do art. 21, Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), disposto a seguir:

"Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público".

Na busca de um processo mais célere e simples o parágrafo 3º do artigo em tela, é cunhado sob a agilidade da informática e prevê a possibilidade das comunicações ao ofendido serem realizadas por meio eletrônico.

Cuidadosamente o parágrafo 4º garante ao ofendido a reserva de um espaço separado para antes ou durante a audiência.

Mais uma inovação se coaduna com a Lei Maria da Penha, o parágrafo 5º do artigo ora analisado permite ao juiz "encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde", o que poderá ser realizado a expensas do ofensor ou do Estado. Nesse sentido dispõe o art. 2, Lei 11.340/2006, a seguir:

"Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde".

O último parágrafo do art. 201 concede ao juiz a possibilidade de determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a respeito do ofendido, a fim de evitar sua exposição aos meios de comunicação, bem como adotar medidas para preservar direitos fundamentais, como intimidade, vida privada, honra e imagem.

No artigo 210 a novidade está em seu parágrafo único, que tendo em vista a garantia da incomunicabilidade das testemunhas, prevê a reserva de espaços separados para elas, antes e durante a audiência.

Outra significativa modificação está no caput do art. 212, que consiste na inquirição direta das testemunhas pelos advogados, o que dará mais agilidade à audiência, mas não trará prejuízo à possibilidade do juiz indeferir as perguntas incabíveis e impertinentes.

Novamente a nova Lei 11.690/2008, na busca pela celeridade, faz uso de métodos modernos e inclui na realização do depoimento, da testemunha ou do ofendido, a inquirição por videoconferência, nos casos em que a presença do réu causar humilhação, temor, ou sério constrangimento, de modo que prejudique a verdade do depoimento. E somente na impossibilidade dessa forma é que será determinada a retirada do réu.

Em relação aos motivos para o juiz absolver o réu, os novos incisos do artigo 386, passam a elencar os seguintes: quando as provas demonstrarem que o acusado não cometeu o crime; quando não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; quando o autor errar sobre a ilicitude do fato, mesmo conhecendo a lei; quando houver erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime que exclua o dolo, mas permite a punição por crime culposo; quando o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico; quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito; quando o agente tem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado e quando o agente pratica o crime estando com embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

E por fim, diante dessas novas causas de absolvição, de acordo com o novo inciso II, art. 386, o juiz ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.

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