quarta-feira, 25 de junho de 2008

TJ/RS que afasta a aplicabilidade da reincidência

Quinta Turma

PENA. DOSIMETRIA. AGRAVANTE. REINCIDÊNCIA.

A Turma conheceu do recurso e deu-lhe provimento para cassar o acórdão recorrido e reconhecer a aplicação da agravante do art. 61, I, do CP no caso e restabelecer a sentença condenatória proferida nesse ponto, por entender que, restando comprovada a reincidência, a sanção corporal deverá ser sempre agravada nos termos do mencionado artigo, que se encontra plenamente em vigor, importando sua exclusão em flagrante ofensa à lei federal e aos princípios da isonomia e da individualização da pena, constitucionalmente garantidos. O fato de o reincidente ser punido mais gravemente do que o primário não viola a Constituição Federal nem a garantia do ne bis in idem, isto é, ninguém pode ser punido duplamente pelos mesmos fatos, pois visa tão-somente reconhecer maior reprovabilidade na conduta daquele que é contumaz violador da lei penal. REsp 984.578-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 5/6/2008.

Ainda paira na doutrina e na jurisprudência divergências acerca do princípio do ne bis in idem em relação à reincidência.

Este Informativo noticiou que o TJ/RS prolatou decisão considerando ofensa ao princípio do ne bis in idem aplicar a agravante do artigo 61, I do CP (a reincidência). O princípio em comento proíbe aplicar sanção por ocasião do mesmo fato duas ou mais vezes. Inicialmente, é mister relatar o conceito de reincidência: trata-se do cometimento de uma infração penal após já ter sido o agente condenado definitivamente, no Brasil ou no exterior, por crime anterior.

Assim, para o TJ/RS, a condenação é uma sanção por ocasião do crime cometido; e a utilização desse mesmo fato para caracterização da reincidência seria ofensa ao princípio. Neste sentido, acórdão proferido no processo de nº 70004637344, de relatoria do desembargador Alfredo Foerster:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. REINCIDENCIA. AFASTAMENTO. O PRINCIPIO DA LEGALIDADE NAO ADMITE, EM CASO ALGUM, A IMPOSICAO DE PENA SUPERIOR OU DISTINTA DA PREVISTA E ASSINALADA PARA O CRIME, SENDO QUE A AGRAVACAO DA PUNICAO, PELA REINCIDENCIA, FAZ COM QUE O DELITO ANTERIOR SURTA EFEITOS JURIDICOS DUAS VEZES. VIOLACAO DO PRINCIPIO DO 'NON BIS IN IDEM'. EMBARGOS ACOLHIDOS, POR MAIORIA, PARA QUE PREVALECA O VOTO MINORITARIO. (Embargos Infringentes Nº 70004637344, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Foerster, Julgado em 10/09/2002).

Vale lembrar que, em outra oportunidade, esta redação analisou a proibição de utilização do suporte fático que integra a reincidência para a configuração de antecedentes criminais, sob pena de caracterização de bis in idem. Assim, a utilização da reincidência afasta a dos antecedentes. Isto posto que ambos têm igual função, determinados pelo mesmo motivo. Como informa o acórdão proferido pelo STJ no julgamento do HC 97.119-SP, de relatoria do Min. Hamilton Carvalhido, a reincidência nada mais é que um antecedente transitado em julgado. Frise-se que todo reincidente tem antecedentes reprováveis.

Contudo, tal raciocínio não se aplica ao caso em tela. Aqui, a utilização da reincidência foi mantida. O entendimento do Tribunal da Cidadania é de que a aplicação da agravante da recidiva é obrigatória, com previsão legal em pleno vigor e tem o condão de reconhecer majorada reprovabilidade da conduta de agente pertinaz, não caracterizando bis in idem. Ao afastá-la, ofende-se lei federal, bem como os princípios da isonomia e da individualização da pena, constitucionalmente garantidos.

Entretanto, cabe frisar que esta redação, ao realizar pesquisa para esta nota, teve acesso ao acórdão proferido pelo TJ/RS e nele encontrou, além da remissão à teoria que afirma o insulto ao princípio trazido à baila, fundamentação diversa para o afastamento da reincidência, a qual acresce o alicerce da decisão. Observamos que em seu voto, o desembargador relator Aramis Nassif, seguido pelo demais, afirmou que afastava a reincidência por ela não ter mais sentido teleológico. Para conferir supedâneo à sua decisão, colacionou a ementa do "acórdão de nº 70002808780, que sintetiza a posição adotada frente a agravante da reincidência":

EMENTA. REINCIDÊNCIA. FRACASSO TELEOLÓGICO DO ESTADO. NÃO RECONHECIMENTO DA AGRAVANTE. Refletir sobre a reincidência é remeter a questão para a discussão, sempre presente, a respeito da função da pena e, se assim fizermos, devemos relacioná-la com o indivíduo, ou seja, àquele a quem a aplicação da sanção atinge. A pena tem como objetivo a recuperação do agente. Trata-se, em tese, de aplicar medidas orientadas para a ressocialização do delinqüente e, por óbvio, significa mais que evitar simplesmente a reincidência. O cumprimento da sanção, para realizar seu conteúdo teleológico, deveria, por exemplo, resultar em preparação profissional, ensinar a fazer uso do ócio de uma forma construtiva, educar, melhorar as relações pessoais e despertar a consciência sócio-axiológico. Mas a pena é um mal-necessário. (...)Etiologicamente, então, identificam-se, como determinantes da reincidência fatores sociais ou endogenamente criminogênicos, que não são alcançados pela pena. E se a sanção não pode cumprir sua função, qual a razão do acréscimo pela reincidência? (...) A pena é um mal-necessário. A reincidência não. Sem função teleológica, sem aplicação a agravante. Nada a justifica. Recurso provido parcialmente para excluir do apenamento as parcelas da consumação e da reincidência."

O Ministro ainda informou que há, neste mesmo sentido, "as apelações, entre tantas, de nº 70007659295, nº 70002327682, 70005800388, 70007074446, 70007175029 e tantas julgadas nesta unidade judiciária".

Após, continua explanando que, "Por outro lado, esta unidade judiciária e o próprio III Grupo Criminal desta Corte acolheu a tese da inconstitucionalidade da agravante, defendida pelo eminente Des. Amilton Bueno de Carvalho, em várias decisões (E.I. 70004637344, 70004830550, etc)". E, nestas decisões, o fundamento para afastar a agravante foi a ofensa ao princípio do ne bis in idem, consoante ao noticiado.

Assim, se depreende que a jurisprudência do TJ/RS possui duas teorias para excluir a aplicação da reincidência, as quais se complementam:

a) A reincidência não mais tem sentido teleológico. Isto posto que a função da pena é de recuperar o agente, o que significa ressocializá-lo. E, se a sanção não consegue cumprir sua função, não há motivo para acrescentar a reincidência. A pena é um mal necessário, mas a reincidência, não. Logo, nada a justifica.

b) Trata-se de bis in idem, isto posto que a "agravação da punição pela reincidência, faz com que o delito anterior surta efeitos jurídicos duas vezes", violando o principio do non bis in idem.

Todavia, a ressalva de que tal entendimento não vem sendo acolhido pelo Tribunal da Cidadania.

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