sábado, 14 de junho de 2008

Questão de Direito Processual Penal - ação penal

Caros colegas começo hoje a postar todos os finais de semana algumas questões de concurso para debatermos sobre a resposta mais correta e qual a corrente que vem prevalecendo na doutrina e na jurisprudência.


Relativamente à ação penal nos crimes contra os costumes previstos no Código Penal, é CORRETO afirmar que:

a) Constitui regra ser de iniciativa pública, mesmo se praticado sem violência real.
b) Será de iniciativa pública quando a vítima for menor de 14 anos, embora praticado sem violência real.
c) Será de iniciativa pública, ainda que sem violência real, se praticado com abuso do pátrio poder.
d) Independe de representação quando a vítima e seus pais não puderem prover as despesas no processo.

Um comentário:

Mury com y P... disse...

E agora vem o mais esperado a resposta correta e alguns comentários.

O gabarito da questão indicou a alternativa C como correta. Assim, vamos à análise da questão.

Nos crimes contra os costumes, previstos no Título VI da Parte Especial do CP, a regra exposta no artigo 225 do CP é de que se proceda mediante queixa (ação penal privada). Vejamos a literalidade do artigo:

Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.

§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

Contudo, há margem de construção doutrinária acerca do tema. Assim, passaremos à análise de cada uma das assertivas para melhor compreensão.

a) Constitui regra ser de iniciativa pública, mesmo se praticado sem violência real.

Nos crimes contra os costumes reza que a regra é a ação penal privada. Isto decorre da natureza dos crimes e, em respeito ao tipo de ofensa sofrida, reserva-se à vítima o direito ao silêncio. Logo, não pode ser a alternativa assinalada.

Frise-se, apenas como esclarecimento doutrinário, que não devemos confundir a existência de violência real com a hipótese na qual da violência resulta lesão de natureza grave ou morte (artigo 223 do CP). São hipóteses distintas. Na primeira, a regra é a ação penal privada, com exceção dos casos de estupro por ocasião da Súmula 608 que faz a ação ser pública e incondicionada (No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada). Essa disposição, para grande parte da doutrina e da jurisprudência, também se aplica aos casos de atentado violento ao pudor.

Nos casos relacionados à segunda proposição (se da violência resultar lesão de natureza grave ou se do fato resultar morte), cabe ação pública incondicionada. Para melhor compreensão é necessário observar a disposição do Código. O Titulo VI, relativo aos crimes contra os costumes, é composto por seis capítulos. A indicação sobre qual ação penal é cabível consta no Capítulo IV, no qual também está a disposição sobre as formas qualificadas em pauta. Assim, a doutrina indica que quando o artigo 225 do CP fala em "capítulos anteriores", caso em que se procede mediante queixa, não inclui o que está disposto no Capítulo IV, ou seja, os casos nos quais da violência deriva um dos resultados acima dispostos. Desse modo, nestes casos a ação será pública incondicionada.

Já a violência ficta, que é uma terceira possibilidade, está disposta no artigo 224 do CP. Dirige-se aos casos onde a vítima a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Este ponto trata da presunção aplicável a estes crimes, a qual, em todos os incisos, para a doutrina moderna, é relativa, ao contrário do propugnado pela doutrina tradicional que a reputa como absoluta.

Discorremos aqui sobre o tema "violência" para situar o leitor e fazê-lo observar que a violência, visualizada em três das quatro assertivas, apenas é utilizada como indicador do tipo de ação penal (alterando-a de privada para pública incondicionada) em dois casos: nos que incidem o artigo 223 do CP e a Súmula 608.

b) Será de iniciativa pública quando a vítima for menor de 14 anos, embora praticado sem violência real.

Não deve ser o item marcado como correto. Isto porque o fato de a vítima ser menor de 14 anos nada influi no tipo de ação a ser intentada, permanecendo a regra da ação penal privada. A ressalva acerca da idade consta no artigo 224, "a" do CP e tem como propósito considerar que a vítima nesta condição é incapaz de consentir de forma válida ou oferecer resistência. Contudo, ressalve-se que é presunção relativa, admitindo prova em contrário dada a realidade social atual. Ainda recordamos que o erro que leva o agente a desconhecer a idade da vítima o isenta de pena e, como ensina Rogério Sanches, exclui o próprio crime (art.20 do CP).

c) Será de iniciativa pública, ainda que sem violência real, se praticado com abuso do pátrio poder.

Correta esta alternativa. Basta observar o disposto no inciso II do §1º do artigo 225 do CP:

§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

A violência, como antes demonstrado, serve apenas para confundir o candidato.

d) Independe de representação quando a vítima e seus pais não puderem prover as despesas no processo.

Já nessa assertiva o erro está no fato de que, nos casos em que a vítima ou seus pais não puderem arcar com as despesas, a ação será pública, porém, condicionada à representação. É o que se depreende da combinação entre o inciso I do § 1º com o §2º:

§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação