1. Introdução
O art. 217, do CPP, recentemente teve alterada sua redação pela Lei nº. 11.690/08 (cuidado com a vacatio legis).
Como se trata de norma genuinamente processual, é de aplicação imediata, até mesmo para os processos já em curso, sem prejuízo dos atos realizados sob a vigência da lei anterior (art. 2°, do CPP).
Primeiro farei uma análise comparativa entre as duas redações (a antiga e a nova) e, em seguida, abordarei as minúcias.
2. Análise comparativa entre a velha e a nova redação
Preste atenção nas redações:
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Após leitura atenta da nova redação, fica fácil observar algumas mudanças:
1) foi retirada a expressão "pela sua atitude";
2) foram enumerados sentimentos como humilhação, temor e sério constrangimento;
3) estes sentimentos poderão atingir tanto testemunha, como o ofendido;
4) a inquirição deverá ser feita, nesse caso específico, por videoconferência e, somente na sua impossibilidade, de forma presencial, com a retirada do réu da sala de audiência.
Feitas estas primeiras colocações, vamos partir para o comentário das alterações, em específico.
2.1 RETIRADA DA EXPRESSÃO "PELA SUA ATITUDE":
Todos sabem, principalmente aqueles que militam na área criminal, que, muitas vezes, o réu nem mesmo podia entrar na sala de audiência quando alguma testemunha estivesse sendo ouvida.
Alguns juízes nem fundamentavam o fato de ter impedido o réu de entrar na sala e, quando o faziam, apenas citavam a literalidade do art. 217, do CPP (afrontando o art. 97, IX, da CF).
De acordo com a velha redação, o réu tinha o direito de permanecer na sala de audiência quando da oitiva das testemunhas, somente podendo ser afastado caso se verificasse que, pela sua atitude, poderia influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudicasse a verdade do depoimento. Mesmo assim, deveria constar do termo o ocorrido e os motivos que determinaram que o réu fosse retirado.
Ora, regra tão clara parecia não ser para alguns. O STJ e o STF se mostravam impacientes com o descumprimento dos preceitos legais acima recordados.
Veja o seguinte julgado emanado recentemente da sexta Turma do STJ:
RÉU. RETIRADA. SALA. AUDIÊNCIA. É certo que a jurisprudência deste Superior Tribunal não vê nulidade na retirada do réu da sala de audiências a pedido de testemunhas ou vítimas (art. 217 do CPP). Porém, ao curvar-se a esses precedentes, a Min. Relatora ressalvou seu entendimento de que a aludida retirada em razão da simples aplicação automática do comando legal, sem que se indague os motivos que levam à remoção do acusado, fere o próprio conteúdo daquela norma, bem como o art. 93, IX, da CF/1988. Dever-se-ia fundamentar concretamente a remoção, pautando-se no comportamento do acusado. Precedentes citados do STF: HC 68.819-SP, DJ 28/8/1992; do STJ: HC 28.810-SP, DJ 9/5/2005; HC 29.982-SP, DJ 9/5/2005, e HC 11.550-SP, DJ 25/9/2000. HC 83.549-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/4/2008.
Conforme a doutrina e entendimentos jurisprudenciais, é certo que o descumprimento do art. 217, do CPP gera nulidade relativa (não absoluta), devendo a defesa demonstrar prejuízo. Mas isso não obsta que se cumpra o que se determina a lei e a Constituição Federal.
Note: a lei impunha que o réu só poderia ser retirado da sala de audiência se sua atitude (exigia-se um fazer) pudesse influir no ânimo da testemunha, prejudicando a verdade do depoimento.
É o exemplo de o réu fazer gestos ameaçadores, caretas ameaçadoras etc. A simples presença do réu não poderia servir de fundamento para aplicação do dispositivo legal.
No entanto, a nova redação do referido dispositivo não determina mais que o réu seja retirado da sala de audiência por uma análise de SUA ATITUDE. Com a retirada desta expressão, a mera PRESENÇA DO RÉU já pode causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha e ao ofendido (novidade).
Observe que a nova redação retirou a objetividade, optando pela subjetividade.
Explico.
Uma interpretação literal da nova redação leva a crer que o juiz não mais precisará fundamentar a retirada do réu da sala de audiência por condutas comissivas suas (gestos ameaçadores etc.). A mera presença do réu e o entendimento que esta poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido (critério totalmente subjetivo) poderia servir de fundamento para sua retirada.
Uma pergunta: como o juiz fundamentaria que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento? Isso é impossível! É humanamente impossível, no momento da audiência, ingressar no íntimo de alguém para saber se a pessoa se sentirá, v.g, humilhada.
Assim, a fundamentação da retirada do réu da sala de audiência, quando não for possível a videoconferência, será totalmente abstrata e recheada de "eu acho, eu penso, eu acredito". Nada objetivo e certo!
Como a realidade da videoconferência está muito distante, certamente nenhum réu entrará na sala de audiência quando o ofendido ou testemunha estiverem sendo ouvidos.
Mas será que é importante a presença do réu na sala de audiência? Obviamente que sim!
Explico: o defensor do réu não conhece as testemunhas, tampouco o ofendido que está prestando depoimento. A presença do réu, para a defesa, é de suma importância uma vez que o mesmo poderá ajudar seu defensor a formular perguntas às testemunhas e ao ofendido.
A ausência do réu dificulta muito o direito constitucional à ampla defesa, vez que esta ficaria enfraquecida sem a presença do réu para auxiliar seu defensor no momento das perguntas. Isto não ocorreria no pólo acusatório, uma vez que o ofendido estaria sempre presente para auxiliar o parquet nas perguntas às testemunhas de defesa e oitiva do ofensor.
Será que frente a estas colocações teríamos paridade de armas e igualdade processual? Acredito que não.
Por isso que, não obstante a retirada da expressão "pela sua atitude", deve ser feita uma leitura constitucional do referido dispositivo, de forma a se exigir uma fundamentação objetiva do magistrado.
2.2 HUMILHAÇÃO, TEMOR OU SÉRIO CONSTRANGIMENTO
Diferentemente da redação anterior ("influir no ânimo"), o legislador optou por enumerar as causas, quais sejam, causar humilhação, temor ou sério constrangimento.
Ora, quem não fica pelo menos constrangido quando vai depor na presença do ofensor?
Até o promotor da causa fica constrangido quando encontra o acusado na sala de audiência.
Muitos poderiam dizer: a lei não diz "mero" constrangimento, mas sim "sério" constrangimento.
Faço, então, a seguinte afirmação: o que é sério para um, não o é para outro. É um critério, repito, altamente abstrato.
Isso nos mostra, mais uma vez, a intenção do legislador em procurar flexibilizar os requisitos de retirada do réu da sala de audiência para que o mesmo, sempre, permaneça fora.
2.3 ATINGIR TANTO TESTEMUNHA, COMO O OFENDIDO.
Diferentemente da redação anterior, agora o réu poderá ser retirado da audiência (caso não seja possível a videoconferência) se o mero fato de sua presença puder causar humilhação, temor ou sério constrangimento ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento.
Em resumo: parece que neste caso sempre ficará fora da sala.
2.4 VIDEOCONFERÊNCIA
Até que enfim há previsão em legislação federal (assim, constitucional) da videoconferência. Mas só para o caso restrito do art. 217, do CPP.
Pena que a lei não aproveitou o ensejo para regulamentar como deverá ser feita a videoconferência (quem deverá estar presente no local de depoimento do ofendido e oitiva das testemunhas etc.).
Por fim, para que se conclua o presente texto, o parágrafo único (nova redação) do art. 217, do CPP, não nos trouxe novidades.
O que gostaria de salientar é que o parágrafo único é norma mandamental para o escrevente judiciário que deverá lavrar o termo. Caso não faça constar a ocorrência e os motivos que determinaram a aplicação da medida, poderá responder por infração funcional e até mesmo criminal.
Deve o defensor público, o advogado de defesa ou o membro do Ministério Público (custus legis) se insurgir e exigir do escrevente que cumpra o que a lei determina, e não, muitas vezes, o que o juiz manda não fazer.
Caso contrário (o escrevente se recusar a constar o ocorrido no termo de audiência a mando do juiz), deve o defensor do réu se levantar com seu cliente, chamar duas testemunhas e se dirigir à Ouvidoria, denunciando o ocorrido.
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