quinta-feira, 4 de junho de 2009

Novo entendimento do Supremo sobre impossibilidade de prisão preventiva

Exercício do direito ao silêncio não pode fundamentar prisão preventiva

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em pedido de habeas corpus (HC 99289) para suspender decreto de prisão preventiva contra M.A.D.C, acusada de participar da morte de seu marido. A prisão cautelar, que já dura um ano e dois meses, teve como fundamento a falta de colaboração da ré na ação penal, pois teria exercido seu direito constitucional de permanecer em silêncio e não produzir provas contra si.

M.A.D.C. foi denunciada pelo Ministério Público gaúcho pela prática descrita no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV (homicídio duplamente qualificado). A prisão preventiva foi decretada pelo juízo do tribunal do Júri de Porto Alegre-RS.

Direito ao silêncio

O direito ao silêncio tem estatura constitucional, uma vez que inserido na garantia constitucional de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si, ou seja, o privilégio contra a autoincriminação. E o exercício desta prerrogativa constitucional, além de não importar em confissão, jamais poderá ser interpretado em prejuízo da defesa, informa o decano da corte na ementa da decisão.

Ainda na ementa, o ministro Celso de Mello ensina que "o exercício do direito contra a autoincriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza eminentemente constitucional, a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a persecutio criminis, notadamente a decretação de sua prisão cautelar".

Celso de Mello salientou ainda que "a decisão em referência, ao decretar a prisão cautelar da ora paciente, nos termos em que o fez, transgrediu, de modo frontal, a própria declaração constitucional de direitos, pois teve como razão preponderante o fato de a acusada em questão - invocando uma prerrogativa que a Constituição lhe assegura - haver exercido o direito ao silêncio, recusando-se, em conseqüência, de maneira plenamente legítima, a responder ao interrogatório judicial a que foi submetida".

"Não se justificava, presente referido contexto, que a magistrada processante, em inadmissível reação ao exercício dessa prerrogativa constitucional, viesse a decretar a prisão cautelar da ora paciente, desrespeitando-lhe, desse modo, sem causa legítima, o direito ao silêncio que o ordenamento positivo garante a todo e qualquer acusado, independentemente da natureza do delito que lhe haja sido atribuído", arrematou Celso de Mello ao conceder a liminar e suspender a prisão.

COMENTÁRIO


A notícia relata decisão proferida pelo Supremo no sentido de que não há que se falar em negativa de colaboração com o andamento da Ação Penal quando o acusado se reserva no direito de permanecer calado. Logo, não se pode utilizar a Justiça deste argumento para decretar prisão preventiva.

Far-se-ão breves comentários a respeito da prisão cautelar, bem como, apontamentos sobre as equivocadas interpretações que se vê a respeito de suas hipóteses de cabimento.

De acordo com nosso ordenamento jurídico, é possível afirmar que existem três espécies de prisões: a prisão extra-penal, a prisão penal e a prisão cautelar.

A prisão cautelar, pelo que a própria nomenclatura pode sugerir, é aquela decretada para assegurar a eficácia de um processo principal. Diferente da prisão penal, a cautelar não tem a finalidade de penalizar. São espécies de prisão cautelar: a prisão em flagrante (art. 301, do CPP), a prisão preventiva (art. 311, do CPP), a prisão temporária (Lei 7.960/89), a prisão decorrente de pronúncia (art. 282, CPP) e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível.

A doutrina indica dois pressupostos da prisão preventiva, quais sejam:

1. fumus comissi delicti: este pressuposto estará presente quando houver prova da materialidade e a existência de indícios de autoria.

2. periculum libertatis: o perigo da liberdade estaria representado pelas hipóteses previstas no artigo 311, do CPP:

-garantia da ordem pública (para seu aferimento faz-se um juízo de periculosidade do acusado).

Nesta hipótese de cabimento, costuma-se incluir os mais variados argumentos, um dos que mais causam discussão é o clamor social. Veja-se, no entanto, que o clamor social causado pela prática do delito, por si só não autoriza a decretação da preventiva e este é o entendimento dominante no Supremo. Neste sentido, oportuno se faz colacionar entendimento exarado no HC 80719 de São Paulo, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello:

"...O CLAMOR PÚBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu...".

-garantia da ordem econômica (nos casos em que há cometimento de crimes contra a ordem econômica).

-garantia de aplicação da lei penal e a conveniência da instrução criminal.

No mesmo HC de SP há pouco mencionado, é possível extrair-se, ainda, valioso material relacionado ao que se deve entender por garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal:

"A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, SÓ POR SI, CIRCUNSTÂNCIA AUTORIZADORA DA PRISÃO CAUTELAR. - Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública. ABANDONO DO DISTRITO DA CULPA PARA EVITAR SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA - DESCABIMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA. - Não cabe prisão preventiva pelo só fato de o agente - movido pelo impulso natural da liberdade - ausentar-se do distrito da culpa, em ordem a evitar, com esse gesto, a caracterização da situação de flagrância".

A notícia, objeto deste comentário, como dito, relata decisão que posicionou mais um entendimento do Supremo Tribunal Federal, a respeito de decisões abusivas quanto à decretação de prisões preventivas. Mais uma vez, o Ministro Celso de Mello apresentou fundamentação clara que deve direcionar novas decisões a respeito da matéria.

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